Nossa aventura começa no movimentado porto de Manaus, onde os rios e a floresta se encontram em uma dança de contrastes. Partimos cruzando o majestoso Rio Negro, testemunhando o fenômeno fascinante da "linha de encontro das águas", onde o Negro e o Solimões correm lado a lado, sem se misturar. Nosso destino? A comunidade ribeirinha de Joel, localizada às margens do Rio Madeira, no município de Borba. A jornada exige esforço: duas horas de carro seguidas de quatro horas de lancha rápida. Mas quando finalmente chegamos, a recepção calorosa faz cada segundo valer a pena.
Joel e sua família nos acolhem em sua casa simples, erguida sobre palafitas, bem ao estilo da região.
Eles são guardiões de um tesouro da floresta: o cacau selvagem amazônico. Estamos acompanhados pela dedicada equipe da Nakau — Arthur, Mateus e Jonatas — que fornece suporte técnico à comunidade, ajudando-os no cultivo, fermentação e secagem do cacau.
Os dias na comunidade são um presente para os sentidos. Os pores do sol às margens do rio são de tirar o fôlego, tingindo o céu de laranja e roxo. Compartilhamos momentos inesquecíveis com Joel e sua família, provando a riqueza da culinária local: açaí recém-colhido, tapioca macia, peixes frescos e molhos picantes que despertam o paladar. É uma experiência única ver de perto a origem da matéria-prima do nosso chocolate e vivenciar o cotidiano de quem torna isso possível.
Explorando a Floresta e o Cacau Selvagem
No dia seguinte, nos aventuramos na floresta. É o fim da safra, e poucas frutas ainda pendem dos cacaueiros gigantes, mas o suficiente para que possamos saborear a deliciosa polpa do cacau. No terreno de Joel, muitos cacaueiros são centenários, chegando a impressionantes 30 metros de altura. É um contraste marcante com os cacaueiros cultivados em fazendas, que geralmente não ultrapassam três metros.
O cacaueiro é uma árvore nativa da floresta amazônica, adaptada ao seu ecossistema. Ele cresce à sombra de árvores maiores e, nesta região, prefere ter suas raízes banhadas pela água. Uma vez por ano, durante a cheia do rio, as margens são inundadas por dois a três meses. Quando as águas recuam, deixam para trás nutrientes que enriquecem o solo.
O que chamamos de cacau selvagem aqui é o "forasteiro amelonado", também conhecido como "parazinho". Ele cresce naturalmente na floresta e, ao longo do tempo, foi dispersado pelas comunidades ribeirinhas. Suas pequenas cabossas e amêndoas têm uma diversidade genética única, que resulta em uma complexidade de sabores incomparável. Por outro lado, o cacau de fazenda é clonado, e todos os seus pés compartilham a mesma genética.
Joel nos explica o processo de colheita. Por causa da altura das árvores, ele utiliza uma vara de bambu de 10 metros para derrubar as cabossas, uma a uma. No chão, elas são recolhidas e carregadas até as margens do rio, onde passam por uma triagem. As melhores cabossas são destinadas à fermentação para produzir cacau fino, enquanto as demais são vendidas para a indústria como cacau de volume.
Cada cabossa é aberta à machete, revelando as preciosas amêndoas envoltas em uma polpa branca e doce. As amêndoas são separadas manualmente e colocadas em baldes, que seguem para a fermentação por seis dias em caixas de madeira.
Essa etapa é crucial: é durante a fermentação que se eliminam a amargura e a adstringência, revelando os sabores ricos do cacau. Depois disso, as amêndoas são secas por uma semana e, finalmente, embaladas em sacos de 30 kg para serem enviadas a Manaus.
O Cacau como Pilar da Comunidade
Joel nos conta sobre a importância do cacau para sua comunidade. Todo o cacau produzido pelos moradores é fermentado no centro de Joel, que funciona como um polo de desenvolvimento sustentável. Essa atividade gera renda para a comunidade, ao mesmo tempo que preserva a floresta. O cacau não é apenas uma fonte de subsistência, mas também uma forma de manter viva a conexão entre as pessoas e seu ambiente natural.
Nos despedimos de Joel e sua família com o coração cheio de gratidão. Eles compartilharam não apenas sua casa e sua comida, mas também suas histórias, seu conhecimento e sua paixão pelo cacau. Um agradecimento especial à equipe da Nakau por nos proporcionar esta oportunidade inesquecível. Partimos com a certeza de que, por trás de cada pedaço de chocolate, há muito mais do que um sabor: há pessoas, cultura e uma floresta inteira que merece ser protegida.
Nossos chocolates feitos com o cacau do Joel:
Créditos :
reportagem fotográfica: Amanda Lavorato
organização da viagem e suporte técnico : Na'kau
técnicos : Matheus e Jônatas